sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Suzy e Malô...


Suzy e Malô numa receita de amor eterno (VIII)

Continuação do capítulo VII abaixo

A moça, percebendo sua preocupação, dobrou a voltagem, dizendo:

- Pois é, meu bem, a mulher brasileira ainda olha para tudo aquilo que lhe proporcione segurança. Mormente na eventualidade de nascerem filhos e os dos não se entenderam.

- Olha,meu amor,não seja tola. Isso jamais acontecerá. Asseguro-lhe que vamos nos entender muito bem e viver juntos o resto das nossas vidas.

Acabe com estas idéias estúpidas, que só servem para estragar o nosso Bom relacionamento e vamos viver a vida em toda a sua plenitude – ok? A moça contempla os olhos do rapaz, por alguns segundos, como que a sondar até onde ia a sinceridade daquelas palavras e disse como quem toma uma resolução instantânea:

- Benzinho, haja o que houver, vou confiar em você e aceitar a sua proposta, contanto que saiamos deste bairro – ok? ...

- Se a dificuldade for só esta, cabe a você escolher um bairro que lhe agrade e uma casinha onde possamos formar o nosso lar. Certo, ok?...beijou-a com violência na boca.

- Que você acha, benzinho, se fôssemos para a Vila Mariana?...

- Ótimo!... Ótimo!... – disse o acadêmico, puxando-a para si e dizendo:

- Poderemos arrumar uma casa pequenina, porém confortável – não?...

- De acordo com as nossas posses – falou Suzy.

O rapaz nessa época, após as aulas na faculdade, trabalhava como revisor numa revista de modas e escrevia duas colunas diárias, uma de variedades, para a “Folha”, e outra de crítica literária, para um jornal de boa repercussão. Esses empregos lhe permitiam algum dinheiro, e Malô tencionava juntamente a outras economias que herdara do pai, montar o seu escritório de advogado, logo após a formatura, que se aproximava.

Os amantes, através de uma imobiliária, alugaram uma casinha modesta, bonitinha e bem arejada, que fora adornada com capricho e bom gosto, conforme a vontade dos dois, que em questão de estética se combinavam muito bem.

Malô sempre sonhara com uma casinha arrumada a seu gosto, uma mulher bonita, inteligente e uma Biblioteca; estava como a rachar de contentamento ao ver, aos poucos, seus velhos sonhos se concretizando. A princípio, mandaram pintar a casinha toda de cores alegres e encheram as paredes de quadros simples, de autoria de pintores menores, consolando-se por não poderem comprar um Van Gogh, um Renoir, um Volpi, ou Carybé, seus pintores prediletos.

A sala destinada ao gabinete de trabalho de Malô fora mobiliada com esmero, carinho e imaginação. As grandes estantes abarrotadas de livros reluziam através da claridade que entrava pela janela. Nas paredes os quadros serviam como decoração e na saliência de uma das estantes sobressaía um busto altivo, de Beethoven, que paradoxalmente se chocava com a fulgurância de um Castro Alves, de um pinto baiano, elegante, simpático e sonhador, ao lado de um Cristo orando no jardim do Getsêmani (quadro predileto de Malô, que se dizia sem religião), que enchia todo o ambiente com sua presença augusta e majestosa.

Malô e Suzy não continham a alegria de ver a casinha mobiliada com esmero e bom gosto. Suzy, ao escolher os móveis do quarto, dera preferência a um estilo do século XVIII, tudo feito com bom gosto e simplicidade, que coadunava muito bem com a vivenda e o espírito dos donos.

Após colocarem tudo em ordem, Malô se encarregou de participar aos pais da moça os seus planos para o futuro. Ensaiou por duas noites, no terceiro dia, munira-se de forças psíquicas e abordara-o, expondo os seus pontos de vista em relação ao acontecido. O velho, após ouvir a estória em silêncio, tivera uma verdadeira convulsão nervosa, e notando que nada mais poderia fazer, a não ser em parte concordar, disse, num sotaque da Sardenha:

- Minha filha, nunca pensei que você viesse a nos envergonhar, justamente agora, no fim das nossas vidas – abaixou a cabeça, acendeu o seu inseparável cigarro de palha e limpou duas copiosas lágrimas quentes.

A velha Margarete chorava e resmungava em italiano. Suzy também derramara copiosas lágrimas, juntamente aos pais, penitenciando-se do que acontecera.

Os dois, desse dia em diante, passaram a viver na nova casinha, onde cada objeto parecia sorrir. Os amantes viviam felizes. Malô, sempre sorridente, chamava a sua companheira num misto de admiração e ternura de miss Suzy e esta em retribuição, chamava-lhe “meu gênio”.

O rapaz, após a formatura, montou um escritório de advocacia em companhia de seu irmão, Afrânio (advogado de muita tarimba e já dono de boa clientela) e Chico, seu grande amigo e colega de faculdade. Através da influência de Afrânio, tiveram êxito e adquiriram renome em pouco tempo, mas como não tinha jeito para advogar e se sentia chamado para s letras, abandonou a jurisprudência e se entregou de corpo e alma ao jornalismo e à preparação de seus romances. Achava que aquele era realmente o seu lugar, o seu mundo, e não ficar dentro de uma sala de advogados e encher a cabeça com problemas alheios, que na maioria das vezes não poderiam ser solucionados por meios lícitos. Fizera nome com rapidez, no jornalismo, onde militava por algum tempo e em seguida, como escritor: seus livros escritos num estilo ágil, vibrante e fogoso, sempre recheados de ironia, humanismo e simpatia pela causa dos oprimidos e injustiçados, eram disputados pelos leitores e, mais tarde, vertidos para várias línguas, proporcionando-lhe uma vida relativamente estável, que lhes dava alegria de viver e lutar em prol da raça humana. Suzy, com afeto de companheira dedicada, passou a ser sua eficiente secretária, agente dos seus negócios e fonte de inspiração, pois se vira por várias vezes modelo das mais destacadas heroínas de suas novelas e contos.

A casa do escritor passou a ser um verdadeiro “teatro” daquele bairro, como disse com justiça um certo colunista social. Suzy, à noite, ao piano, deleitava os presentes com imortais peças de Beethoven, Villa Lobos, Tchaikosisky e J.Sebastan Bach. Malô lia trechos seus e de seus autores prediletos. Chico o velho companheiro nas suas noites de inspiração, declamava versos incandescentes, como que a invocar a alma condoreira de Castro Alves. Dona Cleyde tagarelava, Renato contava anedotas, falava de Oswald e Mário de Andrade (seus ídolos), enquanto isso Galileu, que era um assíduo freqüentador das noites literárias na casa do amigo, não perdia oportunidade para pregar sua filosofia pessimista aos novos admiradores do escritor, que para ali se dirigiam em busca de uma palavra amiga e incentivadora. Ali se evocavam os colegas ausentes, relembravam os tempos de faculdade, comentavam as produções literárias dos novos autores, enfim, a casa do escritor acolhia todos que para ali se dirigiam em busca de estímulo sincero ou de uma palavra de calor e encorajamento.

O certo é que Malô se sentia em plena mocidade, um homem realizado em sua casinha cheia de livros, objetos de arte e afeto, onde se dedicava à sua profissão de escrito, à causa dos injustiçados, aos seus amigos e, em particular, á sua bem amada SUZY.

FIM

Suzy e Malô...


Suzy e Malô numa receita de amor eterno (VII)

Continuação do capítulo VI abaixo

Houve um período de silêncio, que logo fora quebrado por Suzy, que procurou, meio desenxabida:

- E nós, o que vamos fazer, benzinho?...

- Ora, meu amor, sejamos civilizados, juntando-nos aos poucos que lutam para erradicar o preconceito em nosso meio – ok?...

- Não entendi muito bem – disse a moça.

- Ora, minha querida, para se viver feliz, não é necessário que sejamos amarrados um ao outro pelos laços estreitos e convencionais do casamento.Vamos viver juntos, como Simone de Beauvoi e Sartre, “calejar o espírito”, como disse o Galileu.

- Benzinho, falando, tudo parece fácil e bonito, mas não parece seguro. Não se zangue comigo, meu amor, já sei, ainda estou presa aos laços estreitos da velha moral burguesa – não?...

- Minha Suzy, - disse Malô, puxando a moça, que estava em pé ao seu lado e fazendo-a sentar-se em sua perna. O casamento não garante felicidade a ninguém, pelo contrário, desgraça para o resto da vida àqueles pobres cônjuges que receberam as bênçãos do padre e a legitimidade do cartório, e que na verdade, não nasceram um para o outro.

- Pelo menos dá segurança – não? falou a moça.

- Não se iluda com futilidades minha bobinha. Tudo isso não passa de engodo. O Galileu sempre diz do alto dos seus conceitos filosóficos que “o casamento é refúgio”.

- Ora, querido, o Galiléu é filósofo e os filósofos geralmente não se casam – não?...

- Então sejamos também filósofos – disse Malô, com ironia.

A moça ficou calada, como que a meditar no assunto e depois perguntou com ar sério:

- O que vou dizer a meus pais?:...

- Quanto a isso, não se preocupe; deixe por minha conta, que me entendo com os velhos.

- Vou morrer de vergonha – disse a moça.

- Vergonha de quem?...

- Das minhas colegas.

- Não ligue para a torcida, pois hoje em dia, quase todo mundo faz isso.

- Com que cara vou me apresentar a meus pais?...

- Com a mesma de sempre – disse o rapaz, beijando-lhe a testa.

- Gostaria de ter personalidade para tanto – disse a moça.

- Asseguro que muitas das suas colegas vão ficar com inveja de você – disse o rapaz.

- Será?...

- Você verá.

- Anrã!... fez a moça, sorrindo.

- Estou certo de que Dona Cleyde e Renato não te recriminarão por isso.

- Mas nem todomundo tem a compreensão de Dona Cleyde e seu Renato.

Malô estreitando a moça contra o peito disse a sorrir:

- Que achas, minha querida, se alugássemos uma casinha fora daqui e fôssemos viver a nossa vida longe dos olhos cobiçosos dos seus amigos, parentes e colegas?...

A moça levantou-se e foi até a mesa, apanhou o pente na bolsa, penteou os cabelos de pêssegos e voltou-se para Malô dizendo:

- Vou-me embora, amanhã darei a resposta definitiva – ok?...


.....

A moça, ao encontrar-se com o namorado no dia seguinte, tinha os olhos pisados, como se houvesse chorado e uma leve palidez no rosto, que a deixava mais bela e sedutora. Malô, ao vê-la assim, interrogou:

- O que você tem, meu anjo?...inquiriu o escritor.

- Tenho medo de aceitar o seu convite...

- Medo!... – porquê?...

- Ora esta, de juntar-me contigo, a não ser pelo casamento.

- Você ainda está deveras arraigada aos velhos padrões de moral burguesa – não?...

- A mulher brasileira ainda não está preparada para tais lances de liberdade, como a francesa e a sueca – disse a moça – e eu, como não poderia deixar de ser, ainda estou presa a velhos padrões de moral.

- Anrã!... – fez o rapaz, demonstrando-se preocupado.

(Continua no próximo capítulo)