sexta-feira, 20 de junho de 2008

Suzy e Malô...

CAPÍTULO II (Capítulo I, abaixo)

A moça sorriu em sinal de confirmação.
- Desejo-lhe êxito – disse o estudante.
- Obrigada!...
- Malô, você agora é quem deve falar para Suzy algo do seu sucesso literário – disse Dona Cleyde.
- Sim, isso mesmo, conte-me algo do quem tem escrito.
- Como literatura séria, pouco tenho produzido. Venho me dedicando mais ao jornalismo.
- Leio sua coluna todos os dias – disse a moça.
- Não diga essa!... – fez o rapaz surpreso.
- Juro!...
- Como tomou contato com minha coluna?... – interessou-se Malô.
- Por intermédio dos dois – apontou para Dona Cleyde e Renato, que riam ao lado.
- Já publicou algum livro de versos?... – perguntou a moça.
- Não. Tenho um pronto, talvez saia no próximo ano. Venho de publicar um de contos, quem vem tendo boa aceitação por parte do público e da crítica especializada.
- Qual o título?... – inquiriu Suzy.
- “Os Humilhados”.
- Conheço-o ajuntou a moça, cortando o acadêmico. Já li. Trata-se de uma família de nordestinos que emigra do alto sertão baiano, se não me falha a memória, de Curiapeba, para ganhar a vida em São Paulo – não?
- Exato, como bom filho de fazendeiros nordestinos, sou um sujeito amarrado ao Nordeste e quase sempre o tomo por base dos meus escritos.
- O Nordeste é realmente um tema palpitante.
- Gilberto Freyre que o diga – fez Malô, a sorrir.
- Gosta do Gilberto?...
- É meu escritor de cabeceira, talvez ninguém nestes brasis conheça tanto de nossa formação quanto ele.
Nesse ínterim, chegou Galileu, pedindo licença e convidando Malô a comparecer ao reservado, onde os colegas reclamavam a sua presença.
O moço pediu licença e se afastou, com a imagem loira na cabeça.
- Procure-nos depois, Malô – disse Dona Cleyde.
- Pois não – sorriu o rapaz.
- Temos algo sério a tratar com você, baiano – disse Dona Cleyde, piscando o olho maliciosamente para a pequena, que se mantinha séria.
- Não se preocupe Dona Cleyde, voltarei logo que surgir oportunidade.
Ao entrar no salão cheio de rapazes e moças que fumavam, bebiam e, sobretudo falavam safadezas, fora interrogado por Júlio Prado, que sorvia um copázio de chopp:
- Então, Mano-Velho, está a conquistar uma gringa que não é deste mundo – não?...
-Estou tentando – disse Malô, com humildade.
-Fazes muito bem – disse Gorki, intrometendo-se na conversa.
- Eu a vi, é realmente uma fêmea dessas de fazer qualquer macho perder a cabeça – grunhiu Mário Neto, que no momento já se achava meio embriagado.
- O meu amigo sempre teve bom gosto – doutrinou Chico.
- Então vais assinar o atestado de óbito, Malo? - inquiriu Olegário Cabral.Digo isto, por julgar o casamento uma instituição falida, espécie de morte prematura para o homem inteligente.
- Mas quem está falando em casamento e inteligência?... – perguntou Malô, a sorrir.
- Não se preocupe não meu nego, isso é o princípio da decadência, obtemperou Galileu. A mulher só atrapalha a vida do homem. Mormente do universitário. Devemos fugir o máximo desse sexo decadente. Convém saber que os grandes homens não se deram com o casamento. Veja, contou nos dedos: Tolstoi, Gauguin, Tchaikowisky, Zola, etc. Schopenhauer, o velho filósofo de Dantzigue, nunca se casou e com razão detestava a vaidade das mulheres.
- Começou a pregação!... – gritou Pepe Velazquez, um espanhol rebelde, que cursava o quarto ano de Direito e era vidrado em Marx.
- Schopenhauer foi um doido varrido e você um cabotino fanático!... grunhiu Giblan Cordovil, meio exaltado pelo efeito da bebida.
- Sim, até certo ponto, estou de acordo com você a respeito do autor de “Das Dores do Mundo”. Quanto a mim, pode pensar o que quiser, o direito é seu, mas voltando a Sócrates, o que você me diz?... – Lembre-se que o esfarrapado filósofo de Atenas chegou a dizer que o casamento só proporciona dois dias felizes ao homem e esses são: “...o dia em que ele conduz a noiva para a cama e o dia que a deposita no túmulo”.
O interlocutor fugiu do debate e Chico, meio paternal, disse, batendo no ombro do colega:
- Galileu, creio que você errou redondamente quando optou por Direito, você devia ter feito filosofia pura – não?...
- Para você ver, meu nego!... – disse Galileu, evasivamente, com e a dizer não me amoles, vá para o diabo que o carregue.

Continua...

terça-feira, 17 de junho de 2008

Susi e Malô numa receita de amor eterno




SUSI E MALÔ NUMA RECEITA DE AMOR ETERNO

(Novela)

(Em memória de Ernest Hemingway)

“O amor não passa de uma necessidade revoltante”
Schopenhauer


Malô, que de há muito havia rompido com Julinha, encontrou-se na festa dos acadêmicos com a família Amarante, seus velhos conhecidos, desde a época do Hotel Ipiranga, onde morara por algum tempo.
Renato Amarante e Dona Cleyde, ao cumprimentarem o antigo boêmio, hoje estudante de Direito, muito otimista e sorridente como de costume, disse Dona Cleyde, apresentando ao acadêmico uma linda loira de cabelos cor de pêssego maduro, rosto rosado, bem feito e gracioso como o de uma Mona Lisa Tropical:
- Malô, apresento-lhe a Suzy, é a nossa vizinha. Chegou a pouco tempo de Ribeirão Preto.
Olhou para a moça com um sorriso malicioso e acrescentou:
- Professora Susy Pollilo Pinheiro.
O acadêmico, apertando a mão da menina, disse, estampando um sorriso.
Muito prazer. Malô!...
A moça, olhando nos fundos dos olhos do rapaz, gemeu:
- Suzy...
- Suzy, esse é o Malô de quem sempre lhe falo. Fora nosso hóspede por dois anos. Cursa o último ano de Direito e é sobretudo um excelente poeta.
- Não elogie assim, Dona Cleyde, não me faças convencido.
- Ele é muito modesto, menina, mas para o seu governo, quero apenas te dizer que é o autor da letra desse sambinha popular, que anda a fazer sucesso por aí afora na voz bonita da cantora Ronilda. Cantou uma ária dos “Independentes” com voz baixa e desafinada de taquara rachada:

“Como, nós independentes,
sujeitar-nos a corujas
viperinos e imponentes
cujas vidas são sujas?...

- É você o autor?...perguntou Suzy.
Sim!... –disse Malô.
- Gosto muito, tanto da letra como da música.
- Obrigado.
- O compositor da música logo estará por aqui, Suzy. Toca violão e canta muito bem – observou Dona Cleyde.
- E além do mais é um grande humorista – acrescentou Malô.
- Junto a ele ninguém fica sem dar risadas – murmurou Dona Cleyde.
- Gostaria de conhecê-lo.
- Farei questão de lhe apresentar.
- Ótimo!... Ótimo...
- Essa turminha aqui é estupenda – resmungou Dona Cleyde.
Renato Amarante, que até o momento permanecia calado, esperando sua vez, disse, revelando as qualidades da moça:
- A Suzy também é poeta, Malô. Já publicou três livros de versos, apontou para a moça, que ria, ao lado.
- Não diga essa!... murmurou o acadêmico, surpreso – então sendo assim, deixe-me cumprimentá-la mais uma vez, pela alegria em sabê-la uma expoente do verso.
Riram todos e a moça, olhando nos olhos negros do rapaz, disse num tom humilde:
- Devagar que o vaso é de barro!...
- Quais os títulos dos seus livros?...
- “Sobre as margens do Danúbio Azul”; “Vento, sal e sol” e “Sonhos de uma tarde de verão em Vila Rica”.
- Belos títulos.
- São belos também os poemas e autora, não achas, Malô?... – inquiriu Dona Cleyde.
- Creio cegamente sobre os poemas, Dona Cleyde, porque quanto à autora, estou certo disso.
- Não gozem da pobre – disse a moça, ruborizando-se.
- Fiquei curioso por ler seus livros.
- Surgirá oportunidade.
- Segue qual escola?...
- O Modernismo.
- Ótimo!... Está atualizada!...
- Admiro imensamente o verso livre e bem feito. Se há coisa que detesto são esses poetas, que ficam presos às peias da métrica e da rima.
- Tudo isso está velho, cheirando a “bilaquismo’, disse Malô.
Renato Amarante, que tinha predileção pelo Modernismo, atalhou dizendo:
- De l922 para cá, a poesia brasileira tomou dimensão com a Semana da Arte Moderna.
- Realmente – afirmou Malô – os rapazes de 22 semearam naquelas noites mal freqüentadas do Municipal o gérmem do modernismo, que hoje floresce.
Dona Cleyde ouvindo soar o nome do movimento modernista, evocou um trecho de Mário de Andrade, seu poeta preferido:

“O nariz guardem nos rosais
A língua no Alto do Ipiranga
Pra cantar a liberdade
Saudade”.

- Eles foram verdadeiros heróis, que tiveram coragem de suportar o ridículo, a fim de desvencilhar a nossa poesia daqueles lugares comuns, a qual vinha presa com um Bilac, um Alberto de Oliveira, um Raimundo Correia e tantos outros ilustríssimos parnasianos, que apenas se preocupavam com a forma redonda e sonante dos versos, em vez do conteúdo – disse Suzy, que em seguida olhou nos olhos de Malô e acrescentou :
- Não me canso de reler Mário de Andrade, a parte poética do Oswald de Andrade, o velho Bandeira, o baiano, Sosígenes Costa, Raul Bopp, Ascenso Ferreira e sobretudo o Jorge de Lima de “Essa Negra Fulô” e “Invenção de Orfeu”.
- Já leu Alfredo Ângelo?...
- Não...
- Vou apresentar-lhe hoje, é um poeta genial: já publicou cinco livros de versos e um de prosa.
- É autor daquele livrinho de poemas religiosos, do qual você copiou “Getsêmani”, acodiu Dona Cleyde.
- Ah, lembro-me agora!...
- A Suzy também é uma moça que promete, Malô – está a trabalhar com afinco em mais um livro de versos – observou Renato Amarante.

Continua...