terça-feira, 17 de junho de 2008

Susi e Malô numa receita de amor eterno




SUSI E MALÔ NUMA RECEITA DE AMOR ETERNO

(Novela)

(Em memória de Ernest Hemingway)

“O amor não passa de uma necessidade revoltante”
Schopenhauer


Malô, que de há muito havia rompido com Julinha, encontrou-se na festa dos acadêmicos com a família Amarante, seus velhos conhecidos, desde a época do Hotel Ipiranga, onde morara por algum tempo.
Renato Amarante e Dona Cleyde, ao cumprimentarem o antigo boêmio, hoje estudante de Direito, muito otimista e sorridente como de costume, disse Dona Cleyde, apresentando ao acadêmico uma linda loira de cabelos cor de pêssego maduro, rosto rosado, bem feito e gracioso como o de uma Mona Lisa Tropical:
- Malô, apresento-lhe a Suzy, é a nossa vizinha. Chegou a pouco tempo de Ribeirão Preto.
Olhou para a moça com um sorriso malicioso e acrescentou:
- Professora Susy Pollilo Pinheiro.
O acadêmico, apertando a mão da menina, disse, estampando um sorriso.
Muito prazer. Malô!...
A moça, olhando nos fundos dos olhos do rapaz, gemeu:
- Suzy...
- Suzy, esse é o Malô de quem sempre lhe falo. Fora nosso hóspede por dois anos. Cursa o último ano de Direito e é sobretudo um excelente poeta.
- Não elogie assim, Dona Cleyde, não me faças convencido.
- Ele é muito modesto, menina, mas para o seu governo, quero apenas te dizer que é o autor da letra desse sambinha popular, que anda a fazer sucesso por aí afora na voz bonita da cantora Ronilda. Cantou uma ária dos “Independentes” com voz baixa e desafinada de taquara rachada:

“Como, nós independentes,
sujeitar-nos a corujas
viperinos e imponentes
cujas vidas são sujas?...

- É você o autor?...perguntou Suzy.
Sim!... –disse Malô.
- Gosto muito, tanto da letra como da música.
- Obrigado.
- O compositor da música logo estará por aqui, Suzy. Toca violão e canta muito bem – observou Dona Cleyde.
- E além do mais é um grande humorista – acrescentou Malô.
- Junto a ele ninguém fica sem dar risadas – murmurou Dona Cleyde.
- Gostaria de conhecê-lo.
- Farei questão de lhe apresentar.
- Ótimo!... Ótimo...
- Essa turminha aqui é estupenda – resmungou Dona Cleyde.
Renato Amarante, que até o momento permanecia calado, esperando sua vez, disse, revelando as qualidades da moça:
- A Suzy também é poeta, Malô. Já publicou três livros de versos, apontou para a moça, que ria, ao lado.
- Não diga essa!... murmurou o acadêmico, surpreso – então sendo assim, deixe-me cumprimentá-la mais uma vez, pela alegria em sabê-la uma expoente do verso.
Riram todos e a moça, olhando nos olhos negros do rapaz, disse num tom humilde:
- Devagar que o vaso é de barro!...
- Quais os títulos dos seus livros?...
- “Sobre as margens do Danúbio Azul”; “Vento, sal e sol” e “Sonhos de uma tarde de verão em Vila Rica”.
- Belos títulos.
- São belos também os poemas e autora, não achas, Malô?... – inquiriu Dona Cleyde.
- Creio cegamente sobre os poemas, Dona Cleyde, porque quanto à autora, estou certo disso.
- Não gozem da pobre – disse a moça, ruborizando-se.
- Fiquei curioso por ler seus livros.
- Surgirá oportunidade.
- Segue qual escola?...
- O Modernismo.
- Ótimo!... Está atualizada!...
- Admiro imensamente o verso livre e bem feito. Se há coisa que detesto são esses poetas, que ficam presos às peias da métrica e da rima.
- Tudo isso está velho, cheirando a “bilaquismo’, disse Malô.
Renato Amarante, que tinha predileção pelo Modernismo, atalhou dizendo:
- De l922 para cá, a poesia brasileira tomou dimensão com a Semana da Arte Moderna.
- Realmente – afirmou Malô – os rapazes de 22 semearam naquelas noites mal freqüentadas do Municipal o gérmem do modernismo, que hoje floresce.
Dona Cleyde ouvindo soar o nome do movimento modernista, evocou um trecho de Mário de Andrade, seu poeta preferido:

“O nariz guardem nos rosais
A língua no Alto do Ipiranga
Pra cantar a liberdade
Saudade”.

- Eles foram verdadeiros heróis, que tiveram coragem de suportar o ridículo, a fim de desvencilhar a nossa poesia daqueles lugares comuns, a qual vinha presa com um Bilac, um Alberto de Oliveira, um Raimundo Correia e tantos outros ilustríssimos parnasianos, que apenas se preocupavam com a forma redonda e sonante dos versos, em vez do conteúdo – disse Suzy, que em seguida olhou nos olhos de Malô e acrescentou :
- Não me canso de reler Mário de Andrade, a parte poética do Oswald de Andrade, o velho Bandeira, o baiano, Sosígenes Costa, Raul Bopp, Ascenso Ferreira e sobretudo o Jorge de Lima de “Essa Negra Fulô” e “Invenção de Orfeu”.
- Já leu Alfredo Ângelo?...
- Não...
- Vou apresentar-lhe hoje, é um poeta genial: já publicou cinco livros de versos e um de prosa.
- É autor daquele livrinho de poemas religiosos, do qual você copiou “Getsêmani”, acodiu Dona Cleyde.
- Ah, lembro-me agora!...
- A Suzy também é uma moça que promete, Malô – está a trabalhar com afinco em mais um livro de versos – observou Renato Amarante.

Continua...

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