
Continuação do capítulo IV, abaixo
Um papagaio, empoleirado nos galhos de um vetusto abacateiro, berro estridentemente:
- Dê cá o pé loro...Cá o pé – fifiu!...
Um gato vermelho, de grandes olhos amarelos, que pareciam dois faróis, passava coromiando por cima do muro, como que a chamar a fêmea para as delícias do amor polígamo. O papagaio repetia:
- Cá o pé loro!...Fifiu!...
Nisso a noite caiu de verdade, deixando-os iluminados pela luz crua e mortiça do poste. Os dois, por sua vez, encostaram-se à parede e permaneceram até tarde, trocando juros de amor, beijos e abraços apaixonados.
Depois de alguns dias, Malô fora apresentado aos pais de Suzy, dois velhos italianos, que já o tinham na conta de “um de casa”, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, devido aos elogios que Dona Cleyde e Renato Amarante teciam a seu favor.
Tudo agora parecia correr bem e os dois estavam realmente apaixonados um pelo outro. Prova disso é que todos os dias o estudante sacrificava algumas horas dos seus estudos, leituras e pesquisas, para ir buscar a moça no colégio, a fim de mais tempo ficarem juntos, tecendo planos para o futuro, que segundo as suas conjecturas, lhes parecia belo e risonho.
Certo dia, nesse percurso, após uma tarde de beijos, abraços e apalpadelas, sugeriu Malô:
- Meu mor, gostaria que você fosse à minha casa; estamos a poucos passos dela, assim pelo menos você fica conhecendo-a e eu poderei ler para você os originais do meu livro.
- Tem gente em sua casa?... – indagou a moça.
- Oh, sim, deve estar lá a cozinheira. Olhou o relógio e mentiu desavergonhadamente, pois a moça havia se retirado muito antes de Malô ter deixado a casa.
- Sendo assim vamos – disse a moça.
- Espero que sugira um belo título para os meus originais.
- Logo eu, amozinho?...
- Sim, você mesma!...
- Se é coisa que eu não sei é dar título...
- Pois eu acho que você tem muito bom gosto; porventura “Sobre as margens do Danúbio Azul”, “Vento, sol e sal” e “Sonhos de uma tarde de verão em Vila Rica” não são belos títulos?...
- Servem – disse a moça.
Sorriram, apertando-se um contra o outro.
Nesse ínterim já estavam chegando à casa dela. A porta, que por sua vez, não poderia fazer milagre, a fim de confirmar a mentira do rapaz, permanecia fechada e Suzy, com ceticismo na voz, inquiriu:
- A sua empregada já foi embora?...
- Creio que deve ter saído por aí... – disse Malô abrindo a porta e fazendo um largo gesto com a mão, convidando a moça a entrar. Essa, por sua vez, tartamudeou:
- Devemos...de...de...
- Não se preocupe querida, sei o que você está pensando. Acalme-se, a empregada por cedo logo estará de volta.
A moça por fim acedeu, meio desconfiada.
- Afinal, para que todo este receio, você não é minha noivinha, não iremos nos casar em breve?... – apertou o lóbulo da orelha da moça e beijou-a na testa de maneira ingênua e afetuosa.
- Anrã!... – fez a garota, acalmando-se.
Malô fechou a porta com o pretexto de que entrava muito vento e abriu a persiana de uma larga janela, que inundou a sala de claridade. Em seguida, convidou a moça a sentar-se junto à mesa, apanhou os originais do romance na gaveta e leu para Suzy o primeiro capítulo. A moça disse haver gostado muito da estória em si, como também do estilo, que a ser ver era enxuto e desprovido de “enchimento retórico”. Em seguida levantou-se e dando voltas pelas costas do acadêmico, abraçou-se ao seu pescoço a olhar a pauta escrita sobre a mesa:
- Meu bem, está muito bom esse capítulo. Gosto da clareza que você conseguiu dar ao texto.
- Pois eu não estou nada satisfeito com alguns parágrafos, os quais pretendo cortar ou modificar.
- Já sei tudo, trata-se da eterna insatisfação dos escritores com seus trabalhos – no?... Agora não vai você dar uma de Hemingway dos trópicos e reescrever esse capítulo 29 vezes. Para mim está muito bom, gostaria até de saber a quem você foi pedir inspiração para escrever coisa tão bela assim.
Continua...